Meu percurso, a 1ª vez que escrevi sobre mim

Quando criança, ficava observando uma cópia da Mona Lisa, uma pequena pintura de natureza morta de um autor desconhecido e uma fotopintura da minha avó materna. Nessa época, eu gostava de desenhar de observação à mesa do café da manhã; desenhava personagens de desenhos animados para depois recortá-los e brincar com eles, junto com os outros brinquedos que eu tinha. Na adolescência, comecei a andar de skate e, depois de um tempo, quis fazer grafite nas ruas; não durei muito tempo como grafiteiro. Comecei a buscar meu traço e estilo, experimentando algumas técnicas sob a influência de amigos que também desenhavam. Passei a desenhar pessoas pretas de forma estilizada. Nessa época, eu já usava minha própria imagem como referência para os desenhos, pois não me reconhecia nas representações que via até então.

Uma vez, fui questionado sobre o motivo de eu desenhar tantas pessoas pretas, e não soube responder àquela questão naquele momento.

Trabalhei com edição e pós-produção de vídeos e animações. Tentei novamente o grafite, a street art, mas mais uma vez não consegui; percebi que não me encaixava nas regras e repetições que a linguagem pedia.

Em 2009, comecei a trabalhar como impressor fine art; estudei muito sobre pré-impressão e conservação de papéis de algodão; atendi e conversei com vários artistas interessantes, que me instigavam a produzir. Também atendi a estudantes e a alguns clientes de uma classe social privilegiada. Essa classe privilegiada, junto com o bairro de Pinheiros — o estúdio ficava entre a Cultura Inglesa e o Instituto Tomie Ohtake —, me fez perceber o lugar que esta sociedade havia me destinado e que eu não ocupava. Cada susto, disfarçado ou não, que um cliente tomava ao descobrir que o “Marcio, o impressor” era um homem preto, vinha junto com um olhar que perguntava como eu tinha conseguido chegar àquele lugar. E alguns clientes chegavam a me interrogar sobre qual tinha sido meu “mérito/caminho” para estar ali como responsável pelo controle de cor e pelos processos museológicos de manuseio de suas impressões fine art. Cada restaurante que eu entrava me mostrava, através de olhares intrigados, que meu lugar não era na posição de consumidor, pois 95% (na verdade, 99%) dos consumidores naqueles lugares não se pareciam comigo. Junto com esse entendimento de quem eu sou, meu interesse por pintura, principalmente a óleo, foi crescendo, assim como as descobertas sociais, históricas e ancestrais.

Em 2012, fui apresentado ao trabalho do pintor, Mauricio Parra, com quem tive aulas de pintura a óleo em seu ateliê, nas quais aprendi a técnica indireta da pintura a óleo e sua alquimia.

Com o decorrer dos estudos e pesquisas sobre pintores e estilos, novamente senti falta de representações que se parecessem comigo naquele suporte clássico. As representações que eu encontrava eram sempre degradantes, na sua maioria, e não foram feitas por pessoas pretas.

Onde estavam os pintores pretos?

Fui questionado novamente por um colecionador inglês, que procurava por artes que se encaixassem em seus estereótipos, sobre qual era o motivo de eu pintar tantas pessoas pretas. E por que sempre autorretrato? Por que sempre tão político?

Hoje, eu sei responder o porquê de eu emprestar meu corpo como referência em ações performáticas alegóricas, questionando e mostrando dilemas do dia a dia de pessoas pretas, pobres e periféricas, juntamente com a beleza do corpo preto e a importância da ancestralidade, usando a técnica clássica e eurocêntrica da pintura a óleo.

Colocar pessoas pretas como protagonistas de pinturas, e ser um artista preto, é por si só um ato político!

Rolar para cima